by Antônio Carlos Kantuta

sábado, 11 de setembro de 2010

Naturalmente

O melro e a cotovia bailam segundo
O empuxo dos ares
Perseguindo um lampejo de vida.
Aqui também vou escrevendo sem parar, sem corrigir sem errar e sem acertar.
Escrevendo continuamente
Como águas profundas, rasas, rezas, risos casas pendões de milho
E o incômodo “s” ressonante ao acaso ao azar das notas musicais
Dos ais que se exprimem banais em espirais.
Sou normalidade sem moralidade
Sem pudor sou vontade sem qualidade intensidade sou velocidade sem caridade
Sem instrumentalizar-se com fórmulas caóticas
Sem padronizar-se com metrias simetrias ou assimetrias arrogantes viciantes enclausurantes ou libertantes
E
Inclusive, sem vida. Aqui vamos descendo ao fundo do poço da agonia que nos Chama com o fogo em labaredas ao sabor da
Fúria amarga do enxofre ardente qual
Magma infernal nas noites de calor e insônia no porão do medo
Da aflição e do desmantelo.
Não olho para trás,
Não leio o que foi escrito
E não respiro o passado. Não alimento o costume.
Quebram-se os espelhos.
Seus reflexos são expurgados com todas as memórias e registros
Manipuladores da história algoz da verdade.
A luz não vence as brumas nem as brumas
Vencem a luz por mais forte que seja cada uma.
Perene qual lampejo de estrela ou faísca de cometa descambando a rampa das Galáxias
Vamos
Descendo e subindo montes cruzando pontes e caminhos fugazes
Sem deixar rastros nem mágoas nem lágrima nem reza nem canto.
Pela milésima vez aqui já não sou mais o que ia dizer. Dinâmico
Dinamito meus mitos e sem pensar mergulho noutra frase sem fim
Nem pé. Nem cabeça. Nunca voltaremos ao começo. Não leio o passado – nem o Futuro. Não
Vou nos ecos da memória nem no fulgor do porvir. Por algum tempo serei jovem e Velho demais para
Conhecer o mundo. Em alguns dias irei e não mais voltarei aqui.
Não me ressalte o futuro pois os planos foram queimados.
Cantemos este cântico sem visão. Sem revisão. Sem pontuação. Sem edição. Sem Direção. Também sem coração ou intenção - Os mestres o condenarão
Pois é fatídico e vazio. Os mais humildes talvez não o leiam pois não compensa.
É certo contudo que um dia o entregarei ao
Louco meu. Sim, ele encontrará ordem na nebulosa.
Experimentações do ser bruto. Treinamento do ente automático? Pois afinal
Sou a média e o vão do humano e o cibernético, do natural e o industrial. Por ora Isso me conforta.
O peixe o lagarto o pássaro as pessoas e a galinha e os cavalos pastam nervosos Sobre a mesa cansada da vida. A água percola os poros da terra e alimenta os Impiedosos mares.
Asas de andorinha e passos de avião. Casas e casebres vazios e suas paredes. Parentes
Pedem notícias e vagões cortam as montanhas do Canadá em fuga do frio, em busca de carvão.
Caipira camarada com linguagem de verdade no meio das folhas.
Despe a terra.
Veste a terra.
Ser bruto e natural.
Aculturado vendo a televisão o espelho os livros e vendo os olhos.
Vendo a história e as músicas. Vendo tudo. Vendo todos. Quebro os óculos.
Vendo toda a educação que me venderam e rasgo
Os diplomas e fotografias e filmes e endereços.
Caixa postal vazia. Envelope sem nome nem destino.
Dia úmido e pegajoso na beira da brasa apagada. Comida fria. Chá gelado.
Aflição da morte e expiação da vida.
A esperança e a beleza da vida lutando contra o medo da fome na América Latina.
Fome na América Latina. Fome da América Latina.
Instantes produzindo instantes. A vida é breve. A morte é perene.
No engano dos segundos vão-se os minutos, as horas, os dias, a vida.
É delicado viver, é simples viver, é uma ficção.
E assim aqui todos morrem comigo.
Mas logo surgiremos do outro lado, além de tudo, antes e depois do fim.
Em xilemas e floemas nasceremos bentônicos e seivosos, humanos e naturais.
Antônio Carlos Kantuta


Janelas de Imersão

Janelas de Imersão(2010)/Antônio Carlos Kantuta.

Bahia, Bahia!



domingo, 5 de setembro de 2010

O que é Literatura Negra?

Por Antônio Carlos S. Souza, 17/07/2009.


A literatura negra acontece quando o negro deixa de ser somente o tema, o objeto, e passa a compor seu próprio itinerário ideológico pela via das letras e compromissado com suas raízes históricas, no afã de restabelecer seus paradigmas e recuperar o tecido cultural africano no qual ele está engendrado, quando da sua assunção como negro, pregando um sentido positivo à etnicidade negra num cenário de cumplicidade entre objeto, sujeito e produto (obra) através de uma linguagem libertadora, sempre buscando encontrar um universo simbólico discursivo próprio. Através deste discurso ele busca a destituição do status quo e sugere a construção de um novo tabuleiro ideológico que dê ouvidos também às vozes gestadas em outras hermenêuticas e lastrado no respeito às alteridades.

Segundo Orlandi (1988) é um sujeito que ao falar de si, fala dos outros e, ao falar dos outros, fala de si.


Para Abrir as Portas da Bahia

A Bahia não é uma cidade de contrastes. Não é não. Quem pensa assim está enganado.

Tudo aqui se interpenetra, se funde, se disfarça e volta à tona sob os aspectos mais diversos, sendo duas ou mais coisas ao mesmo tempo, tendo outro significado, outra roupa, até outra cara. Texto de Carybé.

O genial pintor, desenhista, escultor, muralista, escritor, e arteiro baiano Carybé posa com uma de suas obras.



O Encantamento das Cores de Carybé!

A Grande Mulata III
Festa do Bonfim

Lavadeiras

Festa do Pilão de Oxalá

A Princesa do Neo Soul

Erykah Badu

O Jardineiro I



Como ave no deserto, achou meu coração

O seu céu nos teus olhos... Eles são o berço da

Manhã e o reino das estrelas.

Minhas canções se perderam na sua

Profundidade.

Consente apenas que eu me eleve

Nesse céu,

Na sua solitária imensidade...

Deixa-me só fender-lhe as nuvens,

E espraiar

Minhas asas no seu fulgor solar.


Rabindranath Tagore

Do Ateísmo
Por Antônio Carlos Kantuta



Da busca do homem em entender-se no mundo, do fenômeno dialético que lhe infunde a ventura de gozar o privilégio de ser matéria pensante e ao mesmo tempo desfrutar da oportunidade de ser parte da natureza, tão ampla, tão vida, tão simples, da busca por um entendimento das coisas que justifique a existência e a essência das coisas, enfim, de todo o trabalho humano em torno da vida, conclui-se que a verdadeira busca empreendida está engendrada na ânsia de encontrar uma identidade para tudo o que há. Assim, necessariamente a experiência da fé em Deus, num ser que aglutine todas as energias da natureza (parte integrante da criatura e da criação) ou que seja absolutamente livre dessas energias (ser incriado e incriável), converge também para conduzir o indivíduo à tão desejada compreensão da razão existencial, e por conseguinte, do entendimento e aceitação da morte como processo imanente e próprio das metamorfoses da matéria – animada ou não. O poeta Oswald de Andrade já dizia em seu Manifesto Antropofágico (trecho abaixo transcrito) que é preciso partir de um profundo ateísmo para que se chegue a uma idéia de Deus. Tomando a assertiva oswaldiana como premissa de nosso equacionamento filosófico, inferimos que seja necessária a construção de uma plataforma vazia de qualquer ideologia em torno de Deus sobre a qual seja possível estabelecer as linhas fundamentais do conceito de Deus.


"Por ser ateu, tenho obrigação moral de possuir um profundo senso religioso da vida".
(Trecho do Manifesto Antropofáfico de
Oswald de Andrade).

Eu Vi O Rei

Eu vi o rei chegar
Eu vi o rei chegar
Um rei assim
Que não escuta bem
Que adora luz
Mas não vê ninguém
Prefere olhar
O horizonte, o céu
Longe daqui
é tudo seu...
Eu vi o rei chegar
Eu vi o rei chegar
Seu sangue azul
Ninguém diz de onde vem
De que sertão
De que mar, que além
E para nós
Ele jamais se abriu
Só uma vez
Quando partiu
Eu vi o rei chegar
Eu vi o rei chegar
Um rei assim
Cultiva solidão
Sombria flor
No coração
E claro é
Que o pêndulo do amor
Às vezes vai
Até a dor
Eu vi o rei chegar
Eu vi o rei chegar
Devo dizer
Que eu não sofri demais
Mas devo dizer
Que acordei
Mesmo sem ser
Tudo que eu imaginei
Devo dizer
Que eu o amei
Eu vi o rei chegar
Eu vi o rei chegar


Antônio Cícero

Salve O Mais Belo dos Belos, Ilê Aiyê!

Pertencimento

Por Antônio Carlos S. Souza


A energia propulsora das ações do Movimento Negro no Brasil é a necessidade básica e urgente que o negro tem de reencontrar-se com suas raízes e com sua afro-brasilidade, buscar sua ancestralidade e por via deste encontro, ter acesso, conhecimento, contato e a oportunidade de resgatar sua MEMÓRIA. Esta memória tem o valor sumário de revelar e iluminar a IDENTIDADE do negro enquanto ser humano e é notável que isto valha para qualquer indivíduo independente de cor, sexo, etnia ou religião. Desta identidade nasce a legitimação da EXISTÊNCIA, que a seu turno propicia-lhe o REGISTRO. Esta troca dinâmica estabelecida entre MEMÓRIA, IDENTIDADE, EXISTÊNCIA e REGISTRO é essencial para a construção de um modo novo de ver o mundo. Um mundo concreto constituído sobre paradigmas humanistas, baseado nos princípios do respeito à diferença, à alteridade, no respeito ao outro. A esta matriz de valores denomina-se Noção de Pertencimento, que é um forte instrumento para que o indivíduo vislumbre uma idiossincrasia fundamentada no respeito ao SER HUMANO, em detrimento de qualquer doutrina, ideologia ou filosofia que preconize práticas destoantes com o respeito e a justiça.

É penoso imaginarmos quantos absurdos foram e continuam sendo plantados e cultivados na sociedade por conta da insensatez de alguns equívocos históricos que movidos por ideologias mesquinhas disseminaram um modo perverso de pensar o índio, o quilombola, o ribeirinho, o latino americano, o africano, o cigano, o ser humano, um modo discricionário de tratar o negro, um modo sujo de relacionar-se com o negro, um modo acusador de olhar para o outro. É penoso imaginarmos que num mundo tão moderno, vasto, rico e admirável como este ainda haja espaço para tipos comportamentais condenáveis que nunca fizeram sentido e nunca combinaram com aquilo que realmente significa SER HUMANO, principalmente em se tratando de uma nação tão colorida e diversificada como a nação brasileira.

Feitas estas considerações preliminares e desde que o cidadão negro esteja de posse das premissas mencionadas, isto é, consciente de sua negritude e do espaço físico e social que lhe são devidos, ele então partirá em busca das garantias que lhe são reservadas pelo direito natural, como prevê a DUDH, os vários tratados internacionais, estatutos e no caso do Brasil, na qualidade de Estado Democrático de Direito, temos as garantias que figuram na Carta Cidadã, mais precisamente no Artigo 3º inciso IV da Constituição Federal que diz:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

E reforçado pelo Artigo 5º da mesma Constituição que diz:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...


Assim, a conquista das garantias do ser humano por meio dos dispositivos apontados acima constitui a SOCIALIZAÇÃO, que nada mais é que a conquista dos bens fundamentais à vida por via do direito. Esta socialização é o estágio mais desejável de maturidade e desenvolvimento social de um país, uma vez que ela representa a distribuição equânime dos bens de uma nação. A socialização é a antípoda da REVOLTA, que é a conquista dos bens por via da violência, fenômeno recorrente no cenário nacional e que tem suas origens, em parte, na alarmante disparidade social e se alimenta da indiferença e do absoluto descaso da sociedade encabeçada pelo Estado impotente.

Mencione-se ainda que basta SER HUMANO para que o indivíduo tenha direito à vida, direito à liberdade, à igualdade e a todas as garantias devidas de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este é o único requisito: SER HUMANO.

Ao avançarmos neste raciocínio, à luz das idéias desenvolvidas, constatamos que os instrumentos emergenciais propostos pelo Estado para superação das desigualdades, tais como Cotas Universitárias, Programa Brasil Quilombola e tantas outras ações, algumas acertadas outras equivocadas, são recursos meramente aceitos como mecanismos transitórios de superação do déficit social brasileiro. Déficit este que tem condenado nossa nação com estatísticas preocupantes, desagradáveis, vergonhosas e que reiteram o flagrante desnível social que o tempo se encarregou de alargar e aprofundar desde os primeiros eventos da história tupiniquim.

Portanto, o fim último da construção da noção de PERTENCIMENTO é ter assegurada a garantia de ser humano em sua plenitude. Assim, o conceito de pertencimento, neste contexto, consiste em oferecer ao negro o espaço que a ele é garantido de forma natural e legitimado em sua humanidade. Este espaço não lhe deverá ser ofertado como favor, concessão, auxílio, cota, ou qualquer outra forma de ação ou política compensatória. Nós defendemos que a apropriação por parte do cidadão de suas garantias seja fundamentada em seu direito integral como ser humano, como indivíduo pleno revestido de todas as virtudes que esta cidadania lhe reserva.

Assim, convidamos a sociedade para contribuir e participar de forma compromissada com esta luta tão justa, tão representativa, tão preciosa para todos nós. Queremos convidá-los a tomarem parte de alguns acontecimentos relevantes que estão se desenhando tanto no plano nacional como no plano internacional no âmbito do movimento negro, a exemplo das atividades desenvolvidas pela UNEGRO (União dos Negros Pela Igualdade) em todo o Brasil, pelos projetos virtuosos da organização Omi Dudu em Salvador-Ba, pela participação ativa e decisiva dos militantes do movimento nos vários espaços de construção do pensamento libertador, ou ainda de movimentos internacionais como o denominado Renascimento Africano.

Desta feita, o ano de 2009 foi marcado com importantes manifestações internacionais promovidas pelos principais organismos de debate da causa no mundo quando da proclamação daquilo que se denomina ESTADOS UNIDOS DA ÁFRICA ou também como já foi falado RENASCIMENTO AFRICANO. Esta iniciativa de envergadura internacional nasceu no final dos anos 90 na África e vai de encontro a um fenômeno positivo que está acontecendo no mundo e que se propõe a criar um espaço para produção, divulgação, debate e compartilhamento de produtos, valores, idéias, modelos, saberes e simultaneamente, figura como influente vetor de ações e projetos correlatos. Existem ainda outros grandes eventos e ações, como o Festival Mundial de Artes Negras que acontece anualmente na África, evento no qual o Brasil participa como convidado de honra por ser a segunda maior população negra do mundo, fato que nos deixa numa posição nada confortável em face dos grandes desafios que ainda nos aflige.

Finalmente, registramos aqui menções de agradecimento pelo espaço franqueado pela democracia para exposição de nossas idéias, para divulgação de nossos projetos e desafios, e também pela oportunidade de compartilhar nossas conquistas. Agradecemos a atenção do leitor para este momento de reflexão, de construção e exercício da cidadania.

Por último um grande abraço àquele que figura como protagonista de toda esta luta que é o cidadão, a cidadã, o forte povo brasileiro, o negro, guerreiro solitário, e a todos aqueles que cotidianamente transformam exclusão em dignidade.

A seguir, destacamos o poema Identidade do escritor e jornalista moçambicano Mia Couto, que trata exemplarmente do tema da identidade negra, que assim nos diz:


Identidade

.

Preciso ser um outro

Para ser eu mesmo


Sou grão de rocha

Sou o vento que desgasta

Sou pólen sem inseto

E areia sustentando

O sexo das árvores.


Existo, assim, onde me desconheço

Aguardando pelo meu passado

Receando a esperança do futuro


No mundo que combato

Morro

No mundo porque luto

Nasço.


Axé.