by Antônio Carlos Kantuta

domingo, 28 de novembro de 2010

Monotonia


Uma flauta ao longe

Toca

Uma flauta

Além do muro.

Do seminário vem o lamento.

Chove.

Chora chuva

Monótona chuva

Monótona flauta

Doce.

Goteja a calha

Compondo

A melodia.

Os sinos tocam.

Que dizem os sinos?

“Hora de recolher”.

Rua molhada

Tarde cinzenta

Monótona

É a vida.


Anna Maria Avelino Ayres, in XV Antologia Poética Hélio Pinto Ferreira, 2007.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Skyline

Horizonte: alma em suspiro pelo encontro
do que fica sempre mais longe.

//Henriqueta Lisboa
O mal verdadeiro, o único mal, são as convenções e as ficções sociais, que se sobrepõem às realidades naturais.
[Fernando Pessoa]
Eva: Uma Estrela Para Além do Mundo
Breve biografia de um astro

























Agora vou falar de luz. De calor. De fulgor em imensidade.
Visitarei o esconderijo dos astros e perturbarei
O silêncio da Mulher-Luz que lá jaz em graça.
Visitarei o sorriso discreto do anjo americano
Que estremece o sono do Super Jeca baiano.
Vou acordá-la em manhã de nuvens baixas para
Que seu brilho pinte as portas do amanhecer.
Foi assim também quando ela nasceu
Nos domínios do The Sunshine State.
Naquele dia não caíram estrelas do céu...
Fez-se foi ampliar a constelação das luzes,
E assim, em 1974 o céu festejou sua chegada
Com a brancura da primeira lua
Que dançava incorrigível dentro da noite de 5 de março.
De Cuba seus ancestrais bradaram:
De tanto Eva Mendes (Mãe) cantar em sol
Pariu uma estrela. De categoria maior. Sublime.
Cor avermelhada. Loira. Bronzeada.
Já no passo lento e breve do tempo,
Do outro lado da laranja do mundo,
Tua boca arrasta meu querer para o beijo profundo.
Logo volto ao domínio dos mortais.
O anjo-estrela desde cedo já sonhava subir.
Para o céu. Para o infinito.
Ganhou o mundo. Inundou corações. Bem fundo.
Ela é Eva. Ave que vai colorindo os ares.
Estrela que brilha para além da vida.
Para além do Aiyê. Para além do Mundo.


Antônio Carlos Kantuta

sábado, 6 de novembro de 2010

Marisqueiras de Maragogipe (BA)
Imagens Humanas de João Roberto Ripper.

Criança Carvoeira
Imagens Humanas de João Roberto Ripper.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Admirável Mundo Louco

Vivemos a vertigem enlouquecedora do nosso tempo. O homem já não mais valoriza o estar com a família. Já não mais vai ao parque ou à praia com a esposa e os filhos. A mãe já não mais conta historinhas para a criança dormir, pois está diante da televisão engordando os índices da Rede Globo. O pai, trabalhador sub-remunerado, não consegue mais dormir preocupado com as faturas vencidas do cartão de crédito. Na escola, o estudante desconhece o sabor do saber graças ao massacrante sistema de ensino que preconiza o tecnicismo em detrimento da formação libertadora e do ensino humanizador. Enfim, fica cada vez mais evidente que para muitos a vida perdeu sua essência e seu significado sublimes.
Outrossim, ao passo que a vida moderna, em especial a vida urbana, mergulha seus tripulantes nesse turbilhão futurista de progresso, consumo e tecnologia, concomitantemente as condena a uma vida fútil e carente de memória, identidade, cidadania, consciência e reflexão. E é aí que surgem os grandes gargalos no tecido social moderno como a corrupção,  a violência, a marginalidade, a prostituição de menores, e toda sorte de vícios e mazelas. É também nesse momento que aparecem as múltiplas alternativas para o indivíduo superar esse cenário desolador. Por um lado o caminho árduo e desafiador do equilíbrio, da alegria duradoura, da busca por formas de vida criativas, inovadoras e saudáveis. Por outro, o caminho da ilusão, do prazer gratuito, dos milagres, dos atalhos para a felicidade.
Abordando inicialmente o universo da ilusão, verifica-se que a grande maioria das vítimas do alcoolismo e das drogas apresenta alguma lacuna em sua formação básica, seja no plano familiar, espiritual, psicológico ou social. Assim, ao render-se à alegria furtiva do álcool, por exemplo, o indivíduo intenta forjar um sentido para a vida, constituindo-se numa forma de superar alguma situação adversa, uma fuga da realidade cruel que o oprime, o que acaba por conduzí-lo a um círculo de dependência interminável. Possivelmente, esse fenômeno associado a outros desencantos da vida também explica a busca pelo prazer propiciado por outras drogas como o cigarro, os entorpecentes, a televisão, o consumo compulsivo e todas as outras drogas disponibilizadas nas vitrines do capitalismo. Assim, o mundo caminha para um futuro que ora se apresenta fascinante e cheio de luzes, ora se apresenta incerto e ameaçador, com sofisticadas máquinas e painéis holográficos disputando espaço com milhões de pessoas cada vez mais dependentes de altas doses de antidepressivos e clínicas psiquiátricas - que complementam o tal ciclo de vícios já apontado.
De outra maneira, assumindo um ponto de vista mais ponderado - para não dizer utópico, é possível pavimentar uma via equilibrada e sensata em meio a todo esse caos. Como o próprio Bob Marley diz em sua música Natural Mystic: “There’s a natural mystic blowing through the air”, ou seja, “há uma magia natural fluindo no ar”. De forma que, valorizar o ambiente familiar, dedicar um olhar curioso sobre a vida, fomentar o potencial imaginativo e criativo do ser humano, exercitar a sensibilidade através de uma arte genuína, viver a natureza, os relacionamentos, os amigos, as possibilidades do mundo, viajar e amar, são aspectos essenciais que devem ser realçados para se conquistar uma vida plena e saudável.
Nessa medida, é importante que nos vacinemos continuamente contra a droga dos entorpecentes e da dependência química, contra a droga opressora da indústria da cultura, contra a droga da xenofobia, da homofobia, dos preconceitos, das ideologias alienatórias e dos fundamentalismos religiosos, que são as principais ameaças à paz social.

Por Antônio Carlos Kantura, 2010.