by Antônio Carlos Kantuta

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Neo-Chanchada e a Demência Cultural

Deborah Secco em Bruna Surfistinha (2011).
Por André Setaro

Para a infelicidade geral daqueles que torcem pelo cinema brasileiro, um novo filão se espraia, como verdadeira metástase, pelo mercado exibidor. É a "neo-chanchada" também conhecida como "globochanchada". Trata-se de filmes produzidos pela Globo, com elenco da casa, e dotados de uma estética televisiva, humor supérfluo, grosseiro, situações esdrúxulas e sem a menor espirituosidade, e dos quais se tem a impressão de se estar vendo, na tela do cinema, televisão. A estética desses filmes entra em choque com a verdadeira estética cinematográfica. E o pior é que os filmes que se classificam nesse filão fazem sucesso e obtêm boa bilheteria. Para ficar em alguns exemplos: "De Pernas Pro Ar", de Ricardo Santucci, uma mixórdia inqualificável, com Ingrid Guimarães e elenco global; "O Homem do Futuro", de Cláudio Torres, com um irreconhecível Wagner Moura num filme totalmente destituído de poder de convencimento; "Cilada.Com", de Bruno Mazzeo (filho de Chico Anysio, bom comediante, mas que nunca deveria ter se atrevido a dirigir um filme), "Muito Gelo e Dois Dedo D'água", besteirol de Daniel Filho, que se entusiasmou com o fenômeno dos dois "Se Eu Fosse Você" e se encontra fazendo um filme atrás do outro. Este "Muito Gelo..." agride não somente o cinema como também a inteligência do cinéfilo. Entre muitos outros.
O crítico da Folha de S. Paulo, Inácio Araújo, cunhou uma expressão que se aplica como uma luva a tais filmes: a poética da insignificância. Insignificantes, as ditas "neo-chanchadas" desmoralizam quem as assina como diretor, porque, inclusive, como bem disse o citado crítico, um filme como "De Pernas Pro Ar" torna qualquer chanchada da Atlântida dos anos 40 e 50 uma, por assim dizer, "Pietà". A história do cinema brasileiro, aliás, teve o seu apogeu quando das chanchadas produzidas pela Atlântida nos anos 40 e 50, que deram celebridade a comediantes como Oscarito, Grande Otelo, Zé Trindade, Ankito, Ronald Golias, entre outros. Detestadas pela maioria dos críticos, as chanchadas do pretérito se tornaram, agora, objetos de dissertações e teses na pós-graduação. O tempo, realmente, é o melhor crítico. E das chanchadas, que desapareceram na agitada década de 60 com o advento do Cinema Novo, o cinema nacional, nos anos de chumbo da ditadura, descobriu a "pornochanchada", comédias de costumes com alusões sexuais. Para se ter uma ideia da insignificância das atuais 'neo-chanchadas', a pior 'pornochanchada' de décadas atrás é melhor do que qualquer uma dessas 'neo-chanchadas'. Havia, nelas, mesmo nas piores, um certo 'non chalance', um tom escrachado, bem diferente das atuais.
As 'neo-chanchadas', assim como o BBB (Big Brother Brasil), evidenciam a mentalidade do público brasileiro, rasteira, e não deixam de se constituir num registro sociológico da demência instituída na sociedade contemporânea.

Texto extraído do JF - Jornal da FACOM, Faculdade de Comunicação/UFBA.

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