by Antônio Carlos Kantuta

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Noturno da Rua da Lapa


A janela estava aberta. Para o que não sei, mas o que entrava era o vento dos lupanares, de mistura com o eco que se partia nas curvas coloidais, e fragmentos do hino da bandeira.
Não posso atinar no que eu fazia: se meditava, se morria de espanto ou se vinha de muito longe.
Nesse momento (oh! Por que precisamente nesse momento?...) é que penetrou no quarto o bicho que voava, o articulado implacável, implacável!
Compreendi desde logo não haver possibilidade alguma de evasão. Nascer de novo também não adiantava. – A bomba de flit! Pensei comigo, é um inseto!
Quando o jato fumigatório partiu, nada mudou em mim; os sinos da redenção continuaram em silêncio; nenhuma porta se abriu nem fechou. Mas o monstruoso animal FICOU MAIOR. Senti que ele não morreria nunca mais, nem sairia, conquanto não houvesse no aposento nenhum busto de Palas, nem na minhalma, o que é pior, a recordação persistente de alguma extinta Lenora.

Libertinagem, Manuel Bandeira, 1930.

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